quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Você deixaria essas crianças sozinhas?
Antes mesmo de entrar no ar, o reality show Kid Nation, da rede de TV CBS, desencadeou um debate inflamado nos Estados Unidos sobre exploração infantil. Um grupo de 40 crianças entre 8 e 15 anos passou 40 dias numa cidade fantasma do Estado do Novo México, entregue à própria sorte, ainda que acompanhado durante 24 horas por dezenas de câmeras. A idéia era mostrar como elas organizariam sua própria sociedade sem a presença de adultos. A estréia do programa está marcada para 19 de setembro.
Os produtores dizem que o programa é inspirado em O Senhor das Moscas, um livro do inglês William Golding (prêmio Nobel de 1983) sobre um grupo de crianças que sobrevive em uma ilha deserta. Esquecem, convenientemente, que na obra original a molecada reverte ao barbarismo cruel. Em Kid Nation isso não ocorreu, mas os pequenos cidadãos tiveram de formar um governo, votar um conjunto de leis e fazer planos de sobrevivência: decidir quem faria a comida, cuidaria dos animais ou ficaria atrás do balcão do saloon – que vendia doces e refrigerantes.
As críticas começaram a surgir à medida que foram revelados detalhes da produção. “Além de terem de concordar em ser vigiadas por câmeras dia e noite, as crianças tiveram de aceitar ser revistadas a qualquer momento, caso os produtores decidissem, e cederam seus históricos médicos e escolares”, diz Roy Shwartz, membro da American Civil Liberties s Union, uma organização americana que zela pelo respeito às liberdades individuais. “Isso é uma violação da Constituição americana”, afirma. Os pais das crianças tiveram de assinar um contrato em que livravam a CBS de qualquer responsabilidade em caso de acidente e em que aceitavam pagar multa de US$ 5 milhões caso quebrassem o sigilo sobre o conteúdo do programa. A promotoria estadual do Novo México está investigando o caso. Coincidência ou não, trata-se do Estado americano com a legislação trabalhista mais flexível em relação ao trabalho infantil. “Por isso, os produtores escolheram ali para filmar”, diz o advogado Alexander Grover, especialista em causas de crianças artistas.
A CBS se defende afirmando que as crianças foram monitoradas por médicos e psicólogos, que intervinham o mínimo possível, e treinadores de animais. A emissora também rebateu as acusações de explorar o trabalho infantil, embora tenha reconhecido que cada participante recebeu um cachê de US$ 5 mil, o que caracterizaria uma remuneração. Ao fim de cada episódio, as próprias crianças elegiam o ganhador de uma “estrela de ouro”, que vale US$ 20 mil. Alguns pais que visitaram o set denunciaram que algumas cenas foram forjadas. A produção do reality show afirmou que esse é um procedimento comum nesse tipo de programa, quando uma boa cena é perdida na gravação.
As críticas ao programa
As acusações contra os pais e os produtores de Kid Nation
Algumas cenas mostram as crianças participantes chorando, brigando ou caindo de exaustão. Educadores acham que o programa criou estresse desnecessário
O uso de crianças no programa viola a legislação de vários Estados americanos. O programa teria sido feito no Novo México porque as leis locais eram mais flexíveis. Elas foram alteradas depois da polêmica
As crianças perderam um mês de escola para participar
Os pais tiveram de assinar um contrato livrando a CBS de qualquer responsabilidade em caso de acidentes, mesmo fatais
Houve pequenos incidentes com alguns dos participantes. A CBS garante que médicos intervieram em todas essas situações
Pedagogos e psicólogos apontam outros problemas, além dos jurídicos. “Pelo pouco que vi do programa, foi possível notar situações altamente estressantes. Por exemplo: as crianças estavam competindo por ouro”, diz Ruth Bauman, psicóloga infantil com clínica em Nova York. “Além disso, construir uma comunidade é um trabalho pesado. Não foi por acaso que as comunas hippies, dos anos 60, não deram certo. É bem possível que essas garotas e esses garotos apresentem estresse pós-traumático”, diz a psicóloga. “Para mim, esse programa é o ponto mais baixo a que chegamos numa sociedade cada vez mais voyeurística, como a nossa”, diz a pedagoga Mariel Aberdeen, do Departamento de Educação de Nova York.
A CBS garante que as crianças tinham liberdade para deixar o set quando bem entendessem. Sabe-se que um dos participantes foi embora no meio das gravações, com saudade de casa. Houve alguns acidentes – duas crianças beberam água sanitária, estocada por engano em garrafas de refrigerante, e uma menina de 12 anos se queimou com gordura quente ao cozinhar. A avó da menina pediu uma investigação, mas o caso não foi para a frente.
ÉPOCA conseguiu conversar rapidamente com um dos cidadãos de Kid Nation. O menino, que pediu para não ser identificado, tem 14 anos. Diz que saiu da experiência melhor que entrou: “Acho que agora fiquei mais sociável e consigo escutar os pontos de vista de outras pessoas. No show a gente tinha de convencer outras pessoas, e isso é mais difícil do que parece. O maior problema para mim foi perder muitos dias de escola. Mas, no final, tudo deu certo”, diz o garoto, da cidade de Morristown, em Nova Jersey.
“Quando a série for ao ar, todas as dúvidas serão dissipadas”, afirma o produtor-executivo do programa, Tom Forman, um veterano de reality shows. Temendo que a repercussão negativa afugentasse os patrocinadores, a CBS fez sessões de apresentação do programa exclusivas para publicitários. A emissora está tão segura do sucesso do show que já começou a recrutar crianças para o Kid Nation 2. Um receio dos produtores, agora, é não encontrar um Estado que permita a organização do novo reality show. Devido à controvérsia, o Novo México alterou sua legislação sobre trabalho infantil, limitando o número de horas em que uma criança pode ficar à disposição de programas de televisão, tornando inviável a realização da segunda temporada no mesmo lugar da primeira. A CBS não descarta filmar Kid Nation 2 fora dos Estados Unidos. O México é o candidato mais provável a receber o próximo grupo de crianças.
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4 comentários:
Muitas críticas são feitas aos produtores do programa, mas creio que a maior irresponsabilidade em uma situação assim é dos pais, que permitiram a participação dos filhos. Além disso, essa polêmica toda só trará mais ibope ao programa. Quantas crianças não participam de diversos programas norte-amaericanos e nunca vi críticas como essas. Não duvidaria que tudo isso faz parte de um jogada de marketing da emissora.
Concordo com a pedagoga que considera o programa o ponto mais baixo a que uma sociedade voyeurística possa chegar...
Mas tenho certeza que o ibope será altíssimo quando o programa for ao ar. E aí, gostaria de saber: será que os patrocinadores terão noção de limites, ou mais uma vez, a ganância pelo lucro falará mais alto?
Era só uma questão de tempo para que um absurdo desses acontecesse. Eu as vezes penso que as pessoas perderam a noção do que é ter valores e até mesmo o respeito pelo próximo. É difícil acreditar que uma mãe permita que seu filho seja exposto dessa forma, mas como a Dani comentou, vai ser um sucesso...e isso é muito triste!
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