terça-feira, 4 de setembro de 2007

Cicarelli e o caos em nossa net


Se todo o país não tivesse sido vítima, ninguém acreditaria na seguinte afirmação: em pleno mês de janeiro de 2007, por volta de cinco milhões (5.000.000!!!) de brasileiros foram sumariamente censurados, impossibilitados de acessar um dos mais populares sites de toda a história da internet. Baseada nos interesses da modelo Daniela Cicarelli e de seu namorado, o publicitário Tato Malzoni, a Justiça exigiu que empresas de comunicação bloqueassem o acesso ao site You Tube (http://www.youtube.com/), pelo fato da página ainda estar exibindo o vídeo do casal, flagrado recentemente em cenas calientes numa praia na Espanha. A decisão partiu de uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo, no último dia 4.

A partir daí muita coisa aconteceu, a modelo e apresentadora se desculpou, a Justiça mandou desbloquear o site, a MTV foi criticada e respondeu às críticas, mas isso tudo é novela. O que realmente marca em todo o caso Cicarelli é a fragilidade das leis nacionais quanto às questões do mundo virtual.

Uma atitude dessas, que bloqueou todo um site, quando a intenção era bloquear um conteúdo específico, coloca o Brasil em situações semelhantes a registradas em ditaduras como Arábia Saudita, China, Cuba e Irã. Como constatou brilhantemente o colunista Pedro Doria, “este foi, talvez, o primeiríssimo caso de censura violenta por motivo fútil (no país)” (O Estado de S. Paulo – 15/1/2007).

Certamente há leitores, principalmente os mais velhos, que podem estar se questionando sobre qual a real necessidade de uma grande polêmica motivada por tal bloqueio. Não há como negar que, de certa forma, uma atitude dessa natureza pode ser interpretada como uma forte resposta a crimes como invasão de privacidade (apesar da praia ser um local público) e que, a partir daí, outras manifestações de racismo, pedofilia e tortura na rede possam ser combatidas. No entanto, a retirada do ar envolveu absolutamente todo o material do site, um fenômeno para a informação, artes, ativismo, história e divulgação em geral.

O erro leva ao acerto. A legislação deve ser adaptada à realidade dos usuários de internet no Brasil, aliás, um dos grandes mercados do planeta – vide o número de usuários de sites como Orkut e Fotolog. A Justiça deve interpretar suas decisões de acordo com a natureza do cenário em que as leis serão aplicadas, cientes das conseqüências que poderão ser geradas. E para arrematar, não se trata de birra quanto às atitudes de fulano ou beltrano, mas sim do direito de se comunicar, divertir, aprender ou se emocionar frente ao seu computador, dentro da sua própria casa.


Texto publicado em 11/2/2007 no semanário Local O Jornal

2 comentários:

Anônimo disse...

Considero radical tirar do ar um site como o You Tube por causa do vídeo. Porém, acho que vídeos como este levantam uma questão maior. Até que ponto nós jornalistas temos o direito de invadir a privacidade de uma pessoa e escancarar aquilo que desperta interesse do público, mas que não é de interesse público. Acredito que este é um dos casos em que o Jornalismo passou dos limites. Nenhum de nós gostaria de ter a vida exposta desta forma. Ainda que se trate de uma pessoa pública é preciso respeitar o ser humano que há por trás dela, que tem família, pai, mãe.

Daniela Spilotros disse...

Em tempos de internet colaborativa, em que qualquer um divulga qualquer conteúdo, e com o benefício do anonimato -- ao contrário do que ocorre nas mídias tradicionais --, parece ser urgente a discussão sobre público e privado. Percebam que a autoridade é questionada (o site foi retirado do ar), mas não a autoria, ou a relevância do acontecimento. Longe de censurar, mas fica complicado estabelecer limites quando todo e qualquer conteúdo é de propriedade coletiva. Privacidade é artigo raro, cada vez mais escasso no mercado. E, como bem fundamentada por Guy Debord, a dinâmica da sociedade do espetáculo explica bem o fenômeno: havendo o desejo de consumo e a disponibilidade de protagonistas para encenar o espetáculo, polêmicas como essa sempre irão existir.