sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O poder da interatividade

Fonte: (Agência Estado)
Um circo chamado "O Teatro Mágico"

Por Gustavo Miller
Rio, 14 (AE) - Em um Circo Voador lotado - e muito parecido com um, veja só, circo -,vários adolescentes com rostos pintados e narizes de palhaço assistiam à banda Megarex, que costuma abrir aos shows de O Teatro Mágico. Ao terminar sua apresentação, o vocalista do grupo aproveita para fazer um pequeno merchandising. "Então... Para quem gostou da gente e quiser escutar mais o nosso som, nosso CD está à venda ali na barraquinha ao fundo. É baratinho."
A platéia não reage. "Ou vocês podem entrar no nosso site www.megarex.net e fazer o download do disco todo e não pagar nada", termina o cantor. Ah, aí sim. O público aplaude, pula e dá uns berros. Não adianta: com os fãs de O Teatro Mágico, é assim que se fala.

Prestes a completar quatro anos de estrada, o grupo de Osasco é um fenômeno de mídia. Suas apresentações são quase sempre lotadas por jovens que cantam de cor e salteado as letras das músicas e até repetem as coreografias circenses executadas no palco. Ver isso ao vivo já é impressionante, mas maluco mesmo é saber que a banda (trupe, como eles preferem) liderada por Fernando Anitelli é 100% independente.

É sério. A estrutura por trás do projeto realmente lembra o espírito coletivo do circo, em que o cara que vende pipoca na entrada depois assume o trapézio e a tia que vende churros na platéia mais tarde acaba virando a assistente do mágico.
Com eles, é a irmã de Anitelli quem agencia a banda. O seu pai é quem prensa os CDs em casa, faz as capinhas e depois fica na barraquinha vendendo-os por R$ 5 antes de o show começar. Já o seu irmão cuida da logística do comércio. "Vendemos 65 mil cópias desse jeito. Mas se você não pode comprar, é só entrar no nosso site e baixar tudo. Eu não quero fazer dinheiro com vendagem de CDs. Isso nunca aconteceu com o músico brasileiro, pois a gravadora sempre tomou tudo", diz.

O discurso de Anitelli é porrada e talvez por isso que o projeto criado por ele, que mistura música, poesia e circo, faz tanto sucesso com o jovem brasileiro, principalmente aquele com acesso à internet. "O nosso som pegou entre os internautas porque a web é uma mídia livre. Lá você pode agregar, compartilhar... Tudo que é nosso está de graça na rede", diz.

Está mesmo. Além de abastecer muito o seu site www.oteatromagico.mus.br (há um blog, podcast e até uma TV Online, o TMTV), a trupe incentiva os fãs a gravarem os shows ou criarem programas para exibirem na página. O volume de informação é tanto que no YouTube há quase 2 mil vídeos deles, e o site tem 120 mil acessos diários.
"O jovem gosta desse lado de debater, dessa ousadia de quebrar o monopólio da comunicação e saber que a gente pode juntar forças e mudar muita coisa. A TMTV é justamente a nossa MTV, mas sem nenhum filtro. Fez algo interessante? Manda que a gente passa", diz.
"Só fizemos dois clipes para serem vistos no YouTube. O resto é material de fã. Quer dizer, na verdade a gente nem sente que essas pessoas são fãs, mas integrantes, pois entenderam o propósito de nosso projeto, que é facilitar o acesso à cultura. E nisso a internet ajuda muito."

Acostumado a lotar suas apresentações nas regiões Sul e Sudeste do País, o Teatro Mágico testou seu poder de fogo recentemente, indo para o Nordeste. Muitos dos lugares visitados eram cidades que nem conexão à internet possuíam. Mesmo assim, para variar, os shows estavam abarrotados de fãs vestidos de palhaços.
"Quem tinha internet em casa nesses lugares baixava o nosso CD, gravava cópias e depois as distribuía para os amigos", comenta Anitelli. Opa, mas isso não é pirataria? "Não, porque ninguém ali está revendendo o trabalho. Quem nunca teve uma fita cassete escrita ‘Lentas’ ou ‘Rock’, que foi gravada por alguém?", argumenta.

Por ter justamente esse pensamento, Anitelli diz já ter recusado a oferta de cinco gravadoras multinacionais e três selos nacionais. "Ninguém conseguiu chegar próximo de aceitar o que estamos fazendo, de deixar todo o trabalho ser divulgado de graça na internet", fala. Graças a essa postura de "liberou geral", o Teatro Mágico já passou por algumas saias justas.

Recentemente, a trupe chegou a ser multada pelo Ecad, órgão brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das obras musicais. A multa foi por eles terem tocado suas próprias músicas, e em seu próprio show!
"Fomos avisados que precisamos enviar uma carta ao órgão e dizer quais canções vamos tocar, mesmo elas sendo registradas como minhas", diz. "Isso assegura os meus direitos? O Ecad foi criado na época da ditadura para o povo saber o que, onde e como você está tocando", reclama.

E qual seria a solução ideal para isso? Anitelli diz ser partidário da lei do Creative Commons, em que você registra a sua obra na web e qualquer um pode usá-la depois, até modificando-a. A única exigência é dar o devido crédito ao criador.
Para aumentar o seu poder de fogo, o Teatro Mágico vem juntando forças com outras bandas do cenário independente, com o intuito de divulgar essa tal cultura livre (a trupe realiza várias palestras sobre o tema). Entre os parceiros estão muitos artistas do Nordeste, como Silvério Pessoa, Cabruêra e Móveis Coloniais de Acaju.

"Um músico sozinho não chega a lugar nenhum, mas uma porção de gente fazendo esse movimento na internet mostra a força que temos. Nosso caminho é compartilhar o trabalho, não apenas exibir", explica. "O povo espera do artista a contestação, o debate, o novo. É isso que estamos tentando, não ficando parados e produzindo sempre. O artista no Brasil não é valorizado como deve ser. Ele é tratado como um mero produtor de entretenimento."

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